terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Quanto valem os LIVRO$

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Apesar de isenções concedidas pelo governo ao setor editorial, os preços continuam subindo

Miguel Conde

Em dezembro de 2004, numa medida que tinha entre seus objetivos fazer com que os livros ficassem mais baratos no Brasil, o governo federal concedeu a editoras, distribuidoras e livrarias isenção de PIS e Cofins.

O valor da renúncia fiscal foi estimado, na época, em R$ 160 milhões. Em contrapartida, combinou-se que os beneficiados doariam 1% de seu faturamento a um fundo de promoção da leitura. Mais de três anos depois, pode-se dizer que a medida não teve os efeitos esperados.

Dados do IBGE indicam que nos últimos três anos o preço médio do livro no Brasil não parou de subir — em alguns momentos, inclusive acima da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Além disso, editoras admitem que a contribuição de 1% do faturamento, embora praticada por algumas empresas por meio de um fundo criado por entidades do setor, ainda está longe de ser adotada em peso.

O governo não pensa em rever a medida, mas já estuda um instrumento legal para tornar a contribuição compulsória, afirma o secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura, José Castilho Marques Neto. Ele defende a isenção de impostos concedida ao setor editorial, argumentando que ela ajudou empresas a superar crises: — Nós sabemos que o poder aquisitivo do brasileiro não é compatível com o preço do livro. A redução de preços é uma preocupação permamente.

Agora, essa medida permitiu que muitas editoras em situação financeira não muito confortável se oxigenassem. Se não houve redução dos preços, e alguns editores dizem que houve, tivemos um estímulo à variedade editorial.

O IPCA, medido pelo IBGE, indica que no primeiro ano após a medida, 2005, o preço médio dos livros subiu abaixo da inflação: 3,68% contra 5,69%. Na época, porém, os livros eram incluídos numa mesma rubrica com as revistas técnicas. Em 2006, o cálculo mudou.

Saíram as revistas e foram incluídos os livros didáticos. Naquele ano, os livros subiram 3,48%, enquanto a inflação foi de 3,14%. No ano passado, 5,21% contra o índice geral de 4,46%. Os aumentos são mais significativos quando se considera que o papel usado pelas editoras é pago em dólar, que desde o fim de 2004 vem acumulando baixas em relação ao real. Em outros setores que tiveram incentivos fiscais, como a construção civil, o aumento ficou abaixo da inflação.

Editoras questionam informação de que houve aumentos

Apesar disso, a presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Rosely Boschini, contesta que os preços tenham subido. Formada por várias empresas do setor, a CBL questiona o aumento com base numa pesquisa feita em 2006 pelo professor Francisco Anuatti Neto, da USP, a pedido do Instituto de Desenvolvimento de Estudos Avançados do Livro e da Leitura. O instituto foi criado e é coordenado por Galeno Amorim, que no primeiro governo Lula foi coordenador do Plano Nacional do Livro e da Leitura, e esteve encarregado das negociações que resultaram na isenção de PIS e Cofins.

— Houve uma redução do preço do livro a partir da desoneração. A variação desde o período da desoneração fiscal, de fins de 2004 até janeiro de 2006, foi, na verdade, inferior aos índices de custo de vida do período — diz Rosely. — Em números, o preço médio do livro no Brasil passou de R$ 34,07 para R$ 35,35 nesse período. A variação foi de 3,76%, enquanto os índices de custo de vida da mesma época subiram 6,41% (pelo IPCA) ou 5,23% (segundo o Índice de Preços ao Consumidor da Fipe-USP). O livro no Brasil não é caro. Os motivos principais que possivelmente dificultam o acesso à leitura são a baixa renda per capita dos brasileiros e também as deficiências no hábito de ler.

A pesquisa, porém, praticamente se restringe a 2005 (pega também dezembro de 2004 e janeiro de 2006), e não acompanha o IPCA após as mudanças no cálculo dos preços dos livros. Além disso, o coordenador de análises econômicas da Fundação Getulio Vargas, Salomão Quadros, diz que não é correto chamar um aumento abaixo do IPCA de redução de preço: — Os preços não sofreram redução. Pelo contrário, subiram de R$ 34,07 para R$ 35,35. A desoneração pode ter contribuído para atenuar a elevação, mas não tenho elementos para afirmar, é só uma conjectura.

Sem ela, os preços poderiam ter subido ainda mais. Quadros chama atenção para algumas peculiaridades do mercado editorial, que dificultam o acompanhamento dos preços. A primeira é que o livro não é um produto padronizado. Como diversos elementos podem variar — números de páginas, qualidade do papel etc. —, o aumento do preço médio pode refletir um perfil diferente dos lançamentos. Outro dado complicador, diz, é que os livros didáticos tradicionalmente têm maiores aumentos de preço do que os outros livros.

Os índices do setor, portanto, podem apontar uma inflação que não se aplica a todos os seus segmentos.

O Globo, 9 fev. 2008. Suplemento Prosa & Verso.


Economista critica a 'falta brutal' de dados

Professor que apontou crise no faturamento de editoras hoje defende revisão da desoneração do setor

O argumento do governo, de que a isenção de PIS e Cofins ajudou editoras em situação financeira delicada, se baseia em parte num estudo encomendado pelo BNDES aos economistas George Kornis e Fábio Sá Earp, do Grupo de Pesquisas em Economia do Entretenimento da UFRJ. Publicado em 2005, o trabalho apontava uma diminuição progressiva no faturamento das editoras, e foi usado para reforçar a defesa de incentivos ao setor. Hoje, no entanto, o próprio Kornis acha que a medida deveria ser revista, pois segundo ele as editoras não estão cumprindo sua parte do acordo. O pesquisador, porém, diz que é de fato difícil fazer diagnósticos precisos do setor, não só pelas suas particularidades, mas principalmente pela escassez de dados: — Há uma falta brutal de análises da economia do livro. As entidades representativas das editoras não têm um único documento técnico que permita um exame profundo. É uma loucura, não há uma continuidade nos estudos que permita uma discussão regular. O setor editorial é importante para a economia da cultura do país, que é importante para a economia como um todo, e já está na hora de ser tratado como tal.

Após série de quedas, faturamento subiu em 2006

No ano passado, Kornis e Earp atualizaram sua pesquisa, com os dados divulgados pela CBL sobre o comportamento do mercado em 2006. O trabalho indica que foi o primeiro ano em que houve uma reversão significativa das quedas no faturamento registradas desde 1995. Em números corrigidos pela inflação, esse faturamento passou de R$ 4,735 bilhões em 1995 para R$ 2,483 bilhões em 2003, até atingir R$ 2,880 bilhões no ano retrasado.

Roberto Feith, diretor da Objetiva e um dos vice-presidentes do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), afirma que as editoras brasileiras pretendem fazer uma pesquisa ampla para reduzir as dúvidas sobre o desempenho da indústria.

Ele não acredita que os preços tenham subido acima da inflação. Diz que a desoneração, aliada à baixa da inflação, fez com que as editoras abandonassem o reajuste anual dos preços dos seus catálogos.

— A maioria das editoras representadas pelo Snel não reajusta preços desde 2004. Como o sindicato tem conhecimento de informações contraditórias sobre o assunto, decidiu, agora em dezembro, contratar a Fundação Getulio Vargas para elaborar uma pesquisa abrangente sobre a questão. Tenho certeza de que a FGV vai demonstrar que o segmento de livros de interesse geral manteve a maioria dos preços congelados desde 2004 e não reajustou os preços na média alem da inflação — aposta o editor.

Os editores de didáticos também reagem à notícia do aumento de preços lançando dúvidas sobre os dados. Uma pesquisa divulgada no mês passado pelo Dieese dá respaldo à idéia de que os livros didáticos puxam os índices de inflação da indústria editorial. Segundo o instituto, os preços dos didáticos em São Paulo subiram 70,63% entre 2003 e 2007, contra 31,15% da variação do Índice de Custo de Vida (ICV, calculado no município de São Paulo). A Associação Brasileira de Editores de Livros, que reúne empresas do setor, afirma que o aumento foi inferior ao da inflação, embora não tenha números próprios para apresentar.

— A gente defende que os livros subiram bem abaixo da inflação. O que não pode ser feito é você pegar duas ou três escolas isoladas onde tem listas caras... Você tem que olhar nessa lista o que eles estão medindo. A gente ainda está medindo os aumentos, mas no ano passado realmente foi bem abaixo da inflação — diz Jorge Yunes, presidente da entidade.

Nem todos editores, porém, questionam a informação de que houve aumento acima da inflação. Dono do Grupo Record, o maior do país no mercado de obras de interesse geral, Sérgio Machado prefere defender o incentivo ao setor com outros argumentos.

Ele diz que a medida permitiu, por exemplo, que as empresas fizessem mais propaganda dos seus livros, o que considera a forma mais eficiente de conquistar leitores. Machado não se entusiasma muito, no entanto, com a doação de 1% do faturamento do setor para um fundo de estímulo à leitura: — Essas campanhas “ler é viver”, coisas do tipo, são bacanas, mas... Não sei se são eficientes.

Não adianta dizer “tenha emoção lendo um livro”, sem dizer qual livro. O estímulo deve ser específico. Após a desoneração, as editoras estão com mais verbas para gastar em marketing, e com isso estimulam a leitura.

Nunca vi tanta propaganda de livro como ultimamente. O editor aponta a entrada de grandes editoras no mercado de livros de bolso, entre elas a Companhia das Letras e a própria Record, como efeito positivo da desoneração. Para Feith, cuja editora também se prepara para investir no segmento, o crescimento do mercado de pockets mostra que há um descompasso entre os preços e o bolso dos brasileiros.

— Se compararmos os preços dos lançamentos no Brasil e nos principais países, os preços brasileiros são, na média, mais baixos.

Mas se compararmos os preços dos livros no Brasil com o poder aquisitivo médio da população, eles são altos. A indústria editorial tem consciência deste dilema e tem trabalhado para mudar este quadro, seja mantendo preços congelados, seja investindo cada vez mais em formatos mais baratos, como livros de bolso.

O Globo, 9 fev. 2008. Suplemento Prosa & Verso.

'É realmente um problema, uma saia justa'

Governo quer criar ainda este ano mecanismo de contribuição compulsória do setor editorial para promover a leitura

ENTREVISTA
José Castilho

O secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), José Castilho Marques Neto, diz que o governo acertou ao desonerar o setor editorial. Afirma que a medida permitiu o crescimento do mercado de livros de bolso, e, ao tirar editoras do sufoco financeiro, estimulou a diversidade cultural. Ele lamenta, porém, que o setor não esteja cumprindo a promessa de repassar 1% do faturamento a um fundo de promoção à leitura. O governo, porém, tem esperança de conseguir tornar a contribuição compulsória ainda este ano.

O GLOBO: Um dos objetivos do governo ao conceder isenção de PIS e Cofins ao setor editorial, no fim de 2004, era tornar os livros mais baratos. Segundo os dados do IBGE, isso não aconteceu. Diante disso, o governo pensa em rever a medida?
JOSÉ CASTILHO: Par ticularmente, acho que a medida foi correta e deveria ser mantida. Nós sabemos que o poder aquisitivo do brasileiro não é compatível com o preço do livro. A redução de preços é uma preocupação permanente. Agora, essa medida permitiu que muitas editoras em situação financeira não muito confortável se oxigenassem. Se não houve redução dos preços, e alguns editores dizem que houve, tivemos um estímulo à variedade editorial. Num momento em que o mercado se torna cada vez mais concentrado, a desoneração permitiu que muitas editoras nacionais sobrevivessem, e houve um avanço do ponto de vista da oferta de livros.

Além dos benefícios às empresas, houve também conseqüências positivas para os leitores?

CASTILHO: A sustentabilidade das editoras assegura a diversidade cultural. É um benefício indireto. Com o dinheiro que deixou de ser aplicado em impostos, também houve investimentos em outros tipos de coleção, como os livros de bolso, que têm preços mais acessíveis.

Foi acordado, na época, que como contrapartida à desoneração o setor editorial (livrarias, distribuidores e editoras) doaria 1% do seu faturamento para um fundo de promoção da leitura. Mas nem todos aderiram ao projeto...
CASTILHO: O que mais nos incomoda é não termos conseguido ainda uma instrumento legal para assegurar o recolhimento do 1% da contrapartida. Ainda não foi criado, infelizmente, o mecanismo para recolher compulsoriamente o 1%. O que de fato foi criado por iniciativa dos editores, por intermédio de entidades como a CBL, a Abrelivros e o Snel, é o fundo do Instituto Pró-Livro. Lá está sendo recolhido uma parte do que foi combinado, mas ainda é algo pálido em comparação ao que seria com a contribuição compulsória.

Qual seria o tamanho do fundo, nas contas do governo?
CASTILHO: Calculamos algo entre R$ 40 milhões e R$ 45 milhões por ano. Se pensarmos que isso iria para iniciativas que nunca tiveram verba garantida no Brasil, é de fato muito dinheiro

Não é de certa forma constrangedor que o governo precise impor uma contribuição compulsória para que o setor editorial faça o que se comprometeu a fazer?

CASTILHO: É realmente um problema, uma certa saia justa. Seria mais interessante que houvesse uma espontaneidade. Talvez a lógica empresarial não acompanhe unanimemente o interesse público, embora algumas empresas estejam cumprindo o combinado.

Qual é a dificuldade de se estabelecer a contribuição compulsória?

CASTILHO: Temos estudos bastante adiantados nesse sentido, mas claro que isso se insere num momento político do país, onde se diz que há muito imposto. Tudo isso tem que ser acordado politicamente. Mas tenho esperança de que este ano isso se torne realidade. E as empresas hoje já estão colaborando com várias ações do PNLL. Ainda é pouco em relação ao 1%, mas é uma iniciativa louvável. Eu acho que do ponto de vista econômico, ao acabar com o imposto, o governo fez o que tinha que fazer.

(Miguel Conde)

O Globo, 9 fev. 2008. Suplemento Prosa & Verso.



'Os custos da indústria são muito altos'

Presidente da Abrelivros comenta os conflitos no setor e reitera que os preços não subiram acima da inflação

ENTREVISTA
Jorge Yunes

Jorge Yunes foi eleito no final do ano passado para a diretoria da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), que reúne empresas do setor de didáticos. Em entrevista ao GLOBO, por telefone, comentou diversas questões que movimentaram o setor no ano passado, como as denúncias de fraude na distribuição de livros feita pelo Ministério da Educação (MEC). Yunes contesta ainda a pesquisa feita pelo Dieese que indica um aumento de 70,63% no preço dos didáticos em São Paulo entre 2003 e 2007. Embora não tenha um levantamento próprio, garante que essa variação não corresponde à realidade dos preços dos didáticos no país.

Miguel Conde

O GLOBO: Uma pesquisa recente do Dieese mostrou que em São Paulo, de 2003 a 2007, o preço dos livros didáticos subiu acima de 70%, mais do que o dobro da inflação no período. Por que houve esse aumento?

JORGE YUNES: A Abrelivros contesta essa informação. A gente defende que os livros subiram bem abaixo da inflação. O que não pode ser feito é você pegar duas ou três escolas isoladas onde tem listas caras... Você tem livros de ensino médio de R$ 70, R$ 80, mas tem livros de ensino médio de R$ 19, R$ 20 também. Você tem que olhar essa lista, o que eles estão medindo, onde essa pesquisa foi feita. Os custos da indústria são muito altos, e mesmo assim subiram abaixo da inflação.

Quanto subiram, segundo os números da Abrelivros?

YUNES: A gente está medindo ainda. Mas no ano passado realmente foi bem abaixo da inflação. O dado do Dieese não pode ser olhado como uma coisa isolada. Eles podem ter olhado num lugar onde realmente subiu, com base numa lista cara. Existem livros mais caros e mais baratos, depende da lista, e o professor tem direito à escolha.

Mas o que o Dieese mede não é o livro caro ou barato, e sim a evolução do preço. O livro pode ser barato, mas e ter tido um aumento acima da inflação.

YUNES: Não, isso realmente não houve. A gente contesta, não houve esse aumento.

Há no setor de livros didáticos um quadro de acirramento da concorrência, de concentração das empresas. Nos últimos anos, o MEC registrou casos de divulgadores que roubaram senhas de escolas e encomendaram livros das suas próprias editoras. Também há distribuição muito forte de brindes, material promocional com desenho parecido com o do MEC. O que a Abrelivros pode fazer para impedir esse tipo de prática?

YUNES: Cada empresa, cada editora tem sua forma de divulgação, mas existe um código de ética na associação que coíbe qualquer publicidade que seja contra o edital que o MEC divulga. A entidade aconselha aos associados que atuem de acordo com o edital. Se houve algum problema de roubo de senha como você disse, isso é uma coisa, mas eu não sei se teve.

Já foram noticiados casos...

YUNES: O MEC não nos informou sobre isso. Talvez sejam casos isolados, em estados isolados. Você não pode colocar isso como uma prática de mercado. Não é isso que acontece efetivamente. É um processo extremamente transparente, as editoras divulgam seu material diante de todos. Não é uma coisa feita às escuras.

O governo decidiu no ano passado impor uma série de restrições à atuação dos divulgadores. A Abrelivros se opõe a essas restrições. Por quê?

YUNES: Até o ano passado, os divulgadores entravam nas escolas para mostrar o seu produto. Nas particulares, isso acontece o tempo inteiro. São várias editoras, produtos diferentes, que se renovam a cada três anos. E os professores têm que ter acesso àquele material para escolher. Nos últimos dois programas o MEC proibiu, dizendo que os divulgadores criavam tumulto e faziam com que os professores pedissem algum favorecimento, o que não acontece. Os divulgadores vão às escolas para mostrar os produtos. O processo é extremamente benéfico para o professor. Fizemos uma pesquisa com o Ibope no ano retrasado e a grande maioria dos professores da rede pública acha que a presença do divulgador é impor tante.

Tem sido muito discutida a adoção na rede pública de sistemas de ensino baseados em apostilas. Em várias escolas, elas já substituem os didáticos. Como esses métodos impõem cronogramas muito rígidos de ensino, na opinião de especialistas está havendo uma terceirização da definição dos currículos. Qual é a sua opinião a respeito?

YUNES: Se as prefeituras recebem do MEC a custo zero livros de qualidade, que passaram por avaliações, eu não vejo razão para comprarem sistemas de ensino que nem por avaliação passaram. Como o professor vai distinguir se o livro é bom, se o livro é ruim? As prefeituras fazem grandes compras, o MEC permite. Há sistemas de ensino muito bons e outros ruins, mas o que se adota com dinheiro público precisa ser avaliado.

O senhor vê uma tendência de mercado das editoras de didáticos começarem a explorar os sistemas de ensino?

YUNES: O mercado está muito competitivo e concentrado. Da mesma forma que editoras de livros didáticos estão fazendo seus sistemas de ensino, as de sistemas de ensino também estão entrando na área do livro.

No ano passado, a Abrelivros denunciou que muitas escolas, em vez de receber os livros que tinham pedido ao MEC, estavam recebendo livros de outras editoras. Como ficou essa apuração do MEC?

YUNES: Na verdade, é importante que deixe bem ressaltado que a Abrelivros não fez nenhuma denúncia em relação a essas apurações. O que foi levado ao MEC foram informações reunidas por nossas equipes. É importante que a gente deixe bem claro que a Abrelivros não fez nenhuma denúncia ao MEC. E o MEC também não entendeu como denúncia. A mídia é que noticiou como tal...

Mas qual é a diferença?

YUNES: Denúncia é quando você tem prova de uma coisa, chega e denuncia “isso é um problema”. Não foi isso que aconteceu. Levamos ao ministro algumas informações e o ministério fez uma avaliação dessas 180 e poucas escolas. Houve uma apresentação no fim do ano do resultado preliminar. A Abrelivros está agora participando, levantando esses resultados e a gente vai contestar ou aprovar tudo o que foi feito por eles, até a pedido do ministério. A coisa está caminhando da forma mais tranqüila e pacífica possível.

Ainda não há nada de conclusivo, então?

YUNES: A gente vai observar essas apurações, o ministro disse que teríamos o tempo que quiséssemos para avaliar os resultados.

Mas há algum indício de ações ilegais?

YUNES: O que tem é que escolas não receberam livros que escolheram, mas para isso existem N razões. Algumas escolheram fora do prazo, outras não confirmaram a escolha no sistema.

Essa situação criou algum clima de competição na associação?

YUNES: O clima interno é excelente. Continuam as mesmas pessoas, as empresas são as mesmas e a eleição foi muito tranqüila. Tivemos uma grande maioria dos votos, então o clima é muito bom. Não existe nenhuma animosidade entre nenhuma das editoras que estão ali presentes.

No ano passado, o jornalista Ali Kamel causou polêmica ao denunciar doutrinação ideológica em livros escolares. Como vê essa questão?

YUNES: Isso gerou muito pano para manga, mas acho que é uma coisa simples. É importante que todas as visões sejam mostradas. Você não pode ser tendencioso. É importante ter diversidade de conteúdo, uma visão geral, e vai caber ao professor pegar e trabalhar a informação. Hoje no país você tem 30 e poucos partidos, por isso tem muitas diferenças de ideologia, pessoas de todos os tipos, de esquerda, direita, centro.

O Globo, 9 fev. 2008. Suplemento Prosa & Verso.



Concentração do setor é preocupante, diz pesquisadora

Célia Cassiano critica terceirização do ensino público; auditoria não encontrou fraude em compras do MEC

Autora de uma tese de doutorado pioneira sobre o mercado de livros didáticos no Brasil, defendida no ano passado na PUC-SP, a pesquisadora Célia Cassiano diz que a crescente concentração do setor aumenta o poder de pressão dos grupos privados sobre o governo.

— Hoje o mercado de didáticos é dominado por cinco grandes grupos que nem sempre têm interesses apenas editoriais. São empresas com grande poder de investimento e posições que nem sempre vão estar de acordo com o interesse público — diz.

Na opinião dela, a principal questão atual no mercado de didáticos é o crescimento dos sistemas privados de ensino, baseados em apostilas. Grandes editoras do setor começaram a produzir seus próprios sistemas, que esmiúçam como o conteúdo deve ser abordado em cada aula, e já substituem os livros didáticos em muitas escolas da rede pública. Até o momento, as apostilas não passam por nenhum tipo de avaliação do governo. Na prática, afirma, isso corresponde a uma terceirização do ensino público.

— É um material que não tem abertura para nenhuma flexibilidade no ensino. Além disso, as apostilas acabam transferindo a formatação curricular para as mãos da iniciativa privada. Não acho que isso seja apropriado para a rede pública. A formação do professor tem que ser responsabilidade do governo — afirma Célia.

As fusões e a entrada de grupos internacionais no mercado brasileiro de didáticos — a maior parte da Espanha — parece estar levando a uma competição cada vez mais acirrada.

No fim de 2007, a Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros) tornou público que escolas da rede pública estavam pedindo ao Ministério da Educação (MEC) livros de uma editora e recebendo obras de empresas difere n t e s . E m grande número de casos, os livros enviados seriam de uma editora de propriedade de um grupo espanhol. Mas uma auditoria realizada em dezembro, acompanhada pela Controladoria Geral da União (CGU), não encontrou irregularidades, diz Sonia Schwartz Coelho, coordenadora geral dos Programas do Livro do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

— Em nenhum dos 189 casos pesquisados a escolha do professor foi diferente do material enviado pelo FNDE. O programa de livros didáticos tem duas formas de escolha, uma pelo formulário impresso e outra pela internet.

Caso cheguem dois pedidos ao FNDE, prevalece a escolha feita no formulário impresso.

Houve casos de escolas que pediram livros diferentes em cada um desses meios. Por que mandaram dois pedidos eu não sei, mas que a gente atendeu o solicitado não há dúvida. O que ainda se está examinando são casos de escolas que dizem não ter recebido os formulários, embora esses formulários tenham sido enviados pelo MEC e depois devolvidos já preenchidos.

O relatório da auditoria mostra também que, em 97 dos 189 casos, as escolas fizeram a escolha pela internet, mas não seguiram todos os passos de confirmação da encomenda, e por isso o pedido não foi registrado.

Quando isso acontece, o governo envia à escola os livros mais pedidos em todo país para cada disciplina. Houve também casos de escolas que fizeram seus pedidos por carta, e-mail e até por vídeo, o que é irregular.

Mas Sônia Coelho diz que há de fato indício de práticas no mínimo questionáveis na disputa pelo mercado de livros didáticos, como a distribuição de brindes. O governo também já recebeu denúncias de oferecimento de computadores e carros em troca da escolha de livros de uma editora, mas não há nenhuma comprovação desses casos. Sônia defende a restrição à atuação dos divulgadores nas escolas, imposta pelo governo em 2006.

— Grande parte das escolas e dos coordenadores reclamava de uma interferência muito grande no momento da escolha, influenciando o professor.

Montamos uma norma de procedimento em conjunto com a Abrelivros. Eles mesmos concordaram que a divulgação tinha que ser feita antes, e que nos últimos dias era melhor que os divulgadores não estivessem lá.
O Globo, 09/02/2008, Suplemento Prosa & Verso (Miguel Conde)

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