segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Para secretária estadual de Educação de SP, a culpa pelo péssimo desempenho da educação é dos professores

Numa rede que contempla 5 500 escolas estaduais, 250 000 professores e 5 milhões de alunos
será implantado, pela primeira vez no Brasil, um sistema segundo o qual as escolas passam a ter metas acadêmicas no horizonte e receber mais verbas caso consigam cumprí-las. O tal bônus será distribuído entre os funcionários.
Depois de anunciado o novo sistema, a secretária estadual de Educação em São Paulo, a professora Maria Helena Guimarães de Castro, passou a receber dezenas de e-mails de professores, alguns deles furiosos, segundo ela.

"Eles [os professores] querem aumento de salário, sim, mas dissociado do desempenho”, conta-nos a secretária.

Leiam, na íntegra, a entrevista que ela concedeu a revista VEJA:

Veja: Nas próximas semanas, as escolas estaduais de São Paulo se tornarão as primeiras no país a ter metas acadêmicas a cumprir e a ser premiadas com mais dinheiro caso consigam atingi-las. Quais resultados a senhora espera alcançar com tais medidas?

Maria Helena : O objetivo é criar incentivos concretos para o progresso das escolas, a exemplo da bem-sucedida experiência de outros países do mundo desenvolvido, como Inglaterra e Estados Unidos. Eles não inventaram nenhuma fórmula mirabolante, mas, sim, conseguiram pôr em prática sistemas capazes de distinguir e premiar, com base em critérios objetivos, as escolas com bom desempenho acadêmico. As pesquisas mostram que, em todos os lugares onde uma política de reconhecimento ao mérito foi implantada, a educação avançou. No Brasil, esse é um debate novo e, infelizmente, ainda contraria uma parcela dos educadores.

Veja: Qual é exatamente o motivo das críticas ao novo sistema?

Maria Helena: Em pleno século XXI, há pessoas que persistem em uma visão sindicalista ultrapassada e corporativista, segundo a qual todos os professores merecem ganhar o mesmo salário no fim do mês. Essa velha política da isonomia salarial passa ao largo dos diferentes resultados obtidos em sala de aula, e aí está o erro. Ao ignorar méritos e deméritos, ela deixa de jogar luz sobre os mais talentosos e esforçados e, com isso, contribui para a acomodação de uma massa de profissionais numa zona de mediocridade. Por isso, demos um passo na direção oposta.

Veja: Os professores se queixam de salários baixos. A senhora dá razão a eles?

Maria Helena: Na comparação com outros profissionais no Brasil e também com professores de escolas particulares, um conjunto de pesquisas já demonstrou que os salários dos docentes na rede pública chegam a ser até mais altos. Esse é um fato, ancorado em números. Apesar disso, acho, sim, que faz parte das atribuições do Estado criar estímulos financeiros de carreira, de modo a valorizá-la e conseguir atrair mais gente boa para as escolas públicas. O que não se pode fazer é defender aumento de salário indiscriminado para professor ruim, desinteressado ou que mal aparece na escola. Quem merece mais dinheiro no fim do mês são os bons professores e aquelas escolas públicas capazes de oferecer um raro ensino de qualidade, apesar das evidentes dificuldades.

Veja: Como funcionará o novo sistema de premiação dos professores em São Paulo?

Maria Helena: Criamos um indicador para aferir a situação atual de cada escola e, com base nele, estabeleceremos metas concretas. O desempenho dos alunos em provas aplicadas pela própria secretaria terá o maior peso. Esse é, não resta dúvida, um excelente medidor do sucesso acadêmico de uma escola. Outro é o tempo que um aluno leva para concluir os ciclos escolares. Da combinação desses e mais fatores resultará o tal índice. Depois de um ano, ele voltará a ser calculado. Só as escolas que conseguirem melhorar nas estatísticas vão receber mais dinheiro.

Veja: De quanto será o prêmio?

Maria Helena : O bônus pode chegar ao equivalente a mais três salários num ano. Isso para cada funcionário da escola, da faxineira ao diretor. Foi com um sistema bem semelhante a esse que a cidade de Nova York alcançou avanços notáveis. Fizemos aqui uma adaptação necessária para a realidade brasileira: os professores mais faltosos serão automaticamente excluídos da lista dos premiados. É apenas o justo. O Brasil ainda está pouco habituado a encarar as políticas para a educação sob uma ótica mais voltada para os alunos. Eles merecem, afinal, assistir a uma boa aula e por isso estamos deixando de premiar os professores campeões em ausência.

Veja: De acordo com os mais recentes dados da OCDE (organização que reúne países da Europa e os Estados Unidos), os estudantes brasileiros aparecem nas últimas colocações em leitura, ciências e matemática. Como mudar esse cenário?

Maria Helena: Um passo fundamental é fazer a escola se sentir responsável pelos resultados dos estudantes, algo ainda bastante longínquo, mas possível de alcançar com a cobrança de metas. Fiz uma pesquisa sobre o assunto na qual professores entrevistados em diferentes estados brasileiros repetiam a mesmíssima ladainha: "As notas dos alunos são ruins porque a escola pública é carente de recursos e os professores ganham mal". Não acho que seja razoável atribuir tudo a fatores externos. Segundo essa mentalidade atrasada e comodista, a culpa pelo péssimo desempenho geral é invariavelmente do estado brasileiro, nunca dos próprios professores, muitos dos quais incapacitados para dar uma boa aula. A falta de professores preparados para desempenhar a função é, afinal, um mal crônico do sistema educacional brasileiro. Sem desatar esse nó, não dá para pensar em bom ensino.

Veja : Qual seria o melhor caminho para elevar o nível dos professores?

Maria Helena: Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero. Isso porque se consagrou no Brasil um tipo de curso de pedagogia voltado para assuntos exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as escolas públicas e suas reais demandas. Esse é um modelo equivocado. No dia-a-dia, os alunos de pedagogia se perdem em longas discussões sobre as grandes questões do universo e os maiores pensadores da humanidade, mas ignoram o básico sobre didática. As faculdades de educação estão muito preocupadas com um discurso ideológico sobre as múltiplas funções transformadoras do ensino. Elas deixam em segundo plano evidências científicas sobre as práticas pedagógicas que de fato funcionam no Brasil e no mundo. Com isso, também prestam o desserviço de divulgar e perpetuar antigos mitos. Ao retirar o foco das questões centrais, esses mitos só atrapalham.

Veja: A senhora pode dar alguns exemplos desses mitos?

Maria Helena : Um dos mais populares é aquele segundo o qual o aumento no salário dos professores leva sempre à melhoria do ensino. As pesquisas mostram que, quando o dinheiro vem dissociado de uma política de reconhecimento do mérito, ele surte pouco ou nenhum efeito. Um segundo mito bastante divulgado diz respeito ao tamanho das classes. Os educadores afirmam por aí ser impossível oferecer uma boa aula diante de classes cheias, mas os estudos sobre o assunto indicam que, tirando as séries iniciais, esse é um fator de pouca relevância. Escolas de diferentes países decidiram inclusive aumentar o número de alunos em sala de aula para resolver outra questão, esta, sim, de grande efeito positivo. Eles estão esticando as horas de permanência dos estudantes nas escolas e, para arcar com os custos da medida, precisam fazer caber mais gente numa mesma sala. Resta ainda o mito do livro didático. Os estudantes de faculdades de pedagogia aprendem a encarar os livros como uma espécie de camisa-de-força, e não como uma base a partir da qual podem ampliar os horizontes em sala de aula.

Veja:O currículo escolar também é visto com certa reticência pelos professores brasileiros, segundo mostram as pesquisas...

Maria Helena: De novo, os professores se sentem tolhidos na sua liberdade de ensinar a baboseira ideológica que passa ao largo de uma questão central. Sem contar com um currículo, o professor de escola pública no Brasil, de modo geral, continua a encarar as classes sem uma referência mínima na qual se mirar. Poucos estados brasileiros (entre as exceções, São Paulo, Minas Gerais e o Tocantins) dispõem de um currículo para oferecer às escolas, no qual estejam incluídos os assuntos a serem abordados em cada matéria, no detalhe. É uma pena. A experiência mostra que professores com um apoio didático dessa natureza vão mais longe em sala de aula. Investir na construção de um currículo, como fizeram alguns dos países da Europa dois séculos atrás, é certamente um destino mais adequado para as verbas públicas do que esparramar canteiros de obras Brasil afora, um caminho tão comum para o orçamento da educação no país.

Veja: Quais são as melhores aplicações para o dinheiro destinado à educação?

Maria Helena: Três tipos de uso do dinheiro surtem mais efeito em sala de aula, conforme apontam as pesquisas: além do investimento em produção de material didático, os cursos para melhorar a formação dos professores e os programas de valorização aos bons docentes também resultam em melhorias concretas no nível do ensino. Não dá para fugir ainda de gastos extras com escolas sem a infra-estrutura mínima. E frente dos 5.500 colégios estaduais de São Paulo, tenho visto de tudo. Em algumas das escolas, a diretora precisa retirar diariamente lâmpadas e fiações ao final das aulas, para evitar roubos por parte dos próprios alunos. Eles costumavam trocar esses objetos por drogas. Outras escolas se tornaram verdadeiros emaranhados de "puxadinhos", extensões labirínticas do prédio original feitas pela própria comunidade. São apenas alguns retratos da desordem que precisamos enfrentar. Diante de tantas precariedades, a velha tradição brasileira de fazer pirotecnia com o dinheiro público da educação não parece ter o menor sentido.

Veja: A que tipo de "pirotecnia" a senhora se refere?

Maria Helena : A construção de escolas monumentais, repletas de quadras poliesportivas, piscinas olímpicas e centenas de computadores, por exemplo. Em geral, elas são um convite à gastança de dinheiro sem nenhuma evidência de retorno para a sala de aula a longo prazo. Isso porque, segundo indica a experiência, em pouco tempo essas escolas entram em decadência por exigir uma manutenção cara demais para os cofres públicos. Volto à mesma tecla: o que dá certo na educação é a aplicação disciplinada de um conjunto de medidas bem mais básicas e não aquelas de efeito festivo e mais vistosas, como ainda preferem alguns.

Veja: Como algumas escolas públicas conseguem sobressair diante das demais, apesar do mesmo orçamento apertado?

Maria Helena: Há um fator comum a todas as escolas nota 10, e ele merece a atenção das demais: trata-se da presença de um diretor competente, com atributos de liderança semelhantes aos de qualquer chefe numa grande empresa. Sob sua batuta, os professores trabalham estimulados, os alunos desfrutam um clima positivo para o aprendizado e os pais são atraídos para o ambiente escolar. Se tais diretores fossem a maioria, o ensino público não estaria tão mal das pernas.

Veja : Na sua opinião, o Ministério da Educação (MEC) tem tomado medidas acertadas?

Maria Helena: No geral, sim. Os esforços concentrados para melhorar a educação básica e a ênfase dada as avaliações das escolas são dois dos pontos positivos. Para mim, ver a educação de volta aos trilhos é um alívio. No primeiro mandato do governo Lula, tive meus momentos de tristeza.

Veja: Por quê?

Maria Helena: Foi um período de paralisia para a educação, com um retrocesso: o desmantelamento do antigo Provão, uma prova criada durante o governo Fernando Henrique para aferir a qualidade das universidades. Funcionava bem, mas acabou vítima de um velho hábito da política brasileira: o de não dar continuidade às medidas adotadas pelos antecessores. Numa área como a educação, de resultados de longo prazo, o tradicional bota-abaixo a cada troca de governo é algo a ser combatido, tal qual fizeram países como a Irlanda e a Coréia do Sul, hoje modelos na educação. Eles só conseguiram abandonar o atoleiro de notas vermelhas depois de firmar uma espécie de pacto nacional, capaz de sobreviver às sucessivas trocas de governo ao longo de décadas. O Brasil tem hoje uma meta, para daqui a quinze anos, e há um bom consenso em torno das estratégias para alcançá-la. Precisa, daqui para a frente, começar a dar mostras de maturidade política para conseguir deixar a rabeira nos rankings internacionais de ensino e, quem sabe um dia, aparecer entre os melhores.

6 comentários:

Anônimo disse...

Sou professor da rede estadual em Pernambuco e compartilhamos aqui de problemas semelhantes aos que vocês vivenciam por aí. Temos uma Secretaria de Educação que está pondo em prática algo extamente nos mesmos moldes daquilo que está sendo processado em São Paulo. E nosso governo é supostamente esquerdista!

Colocamos um link para esta postagem e outro para este blog em nosso espaço virtual: http://alternativasintepe.blogspot.com/

Anônimo disse...

Infelizmente a política de desvalorização da categoria se alastra pelo país.
Será que as precárias condições de vida em que vivem nossos alunos não refletem na má aprendizagem? E as condições de trabalho dos profissionais em educação na rede pública?
Jornada de trabalho excessiva,má remuneração, salas de aulas superlotadas,indisciplina, assédio moral, situações de estresse constante, nada disso se leva em consideração na avaliação dos "doutores em educação", e no final das contas somos ainda resposabilizados pelo caos que se transformou a educação no Brasil.

Falem, professores! disse...

Sei que Veja está longe de ser qualquer referência, mas o fato é que este pasquim marrom é bastante lido. Dar voz em vez a alguém que acredita que se deve estabelecer metas acadêmicas na Escola Básica e ao mesmo tempo quer fechar as universidades é de uma incongruência sem fim.
Veja e Castro tem de receber réplicas, se ao menos isso não for fito, aí sim vou achar que podemos fechar o barraco.

Anônimo disse...

Sou A FAVOR da Maria Helena.
Ela não disse mentira alguma!
Sou estudante de Letras, e vejo EXEMPLOS na minha sala, de alunos que não estão nem aí pro curso, que fazem porque os pais obrigam ou porque é o único curso que podem pagar, entre outros motivos. E é exatamente por culpa desses "futuros professores" que a qualidade ensino cai a cada dia que passa.
É esse perfil de professor que vemos nas escolas,infelizmente.
Se eu estivesse no lugar dela, eu fecharia os cursos de Licenciatura, e os deixaria como BACHAREL. Quem quisesse dar aula, que fizesse uma pós especializada nisso. É o CÚMULO separar Letras Bacharelado de Letras Licenciatura.

a.mauri.peão disse...

...só sei que nada sei....
o BÔNUS de hoje é o ÔNUS de amanhã

Anônimo disse...

Secretária da Educação, já se sentiu assediada em sua profissão? É o que o seu novo sistema de valorização profissional está causando entre os colegas de trabalho. Sou contra as licenças indevidas e cocordo que temos péssimos colegas de trabalho. Mas acho que em todas as profissoes isso ocorre. Até nos mais altos escalões de nossa sociedade. Basta assistir a alguns minutos de televisão para ficarmos estarrecidos com tanta incompetência. Mas nem por isso posso generalizar os problemas a certas profissões, como a senhora e a mídia vem fazendo aos professores. Será que resultados alcançados anteriormente não deram resultados? Será que não temos excelentes profissionais em nossa sociedade que estudaram em escolas públicas que a senhora vem dizendo estar cheia de professores faltosos e ruins. Será que todos os professores , ou uma parte deles está no Magistério por falta de opção. Acho que não. Já trabalhei com pessoas inteligentíssimas, que sabiam muito conteúdo, mas lhes faltava o principal, um coração humano para mediar o conhecimento e entender que moramos e vivemos diariamente a penalidade mundial de um país " ...em desenvolvimento...", como somos clasificados pelos países de 1º mundo. Também trabalhei com colegas bem limidados em conteudos, por questões de formação sócio- cultural, mas que com muita garra esforço e economia galgaram uma vaga em Faculdades que a senhora sente vontade de fechá-las, e que esses colegas tem um relacionamento humano muito grande com nossas crianças pobres, carentes de muitas coisas que acho, a senhora, nem deva imaginar. Vejo na Educação um ato de amor, compreenção , devemos trabalhar com regras,mediar o conhecimento, aceitar, respeitar a cultura de nossos alunos e interagir para que adquira habilidades e conhecimentos novos de sua própria cultura e de outras culturas. Mas pergunto-lhe, para sua consciência, será que a senhora pensa nisso? Será que a senhora trabalharia em salas de aula, com os salários defasados e enfrentando as situações estressantes que nós professores enfrentamos diariamente. Tenho certeza de que não. Poderia até continuar e escreveria um livro, mas isso é só um desabafo que sinto nem será ouvido (...)