quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Carta de professora ao Presidente da APEOESP

Em 26 de novembro, a professora Suzana Helena postou neste blog carta que escreveu ao Presidente do Sindicato dos Professores (APEOESP), Carlos Ramiro de Castro, reproduzida abaixo:

Senhor presidente Carlos Ramiro

Há mais de 14 anos sou filiada ao sindicato do qual o senhor é presidente.Venho respeitosa, porém lamentavelmente, manifestar meu descontentamento a respeito da atuação da APEOESP durante todos estes anos, nos quais uma pequena, porém significativa, porcentagem de meu salário vem descontada em folha de pagamento. É desnecessário afirmar, no de mais de 200.000 professores afiliados, também! A partir disso, já se pode calcular o poder aquisitivo do sindicato!Não obstante todo o recurso arrecadado, nossa classe vem sofrendo todo tipo de desvalorização ao longo das décadas.

Absolutamente nada se tem conseguido em termos de melhorias de salários e planos de carreira que fazemos por merecer! E o fazemos, principalmente agora, que a realidade da sociedade contemporânea exige que extrapolemos as nossas formações acadêmicas e nos transformemos em espécies de "coringas" para cujas funções não estamos capacitados!

Somos, freqüentemente, psicólogos leigos, assistentes sociais leigos, enfermeiros leigos, babás, recreacionistas e tantos outros encargos que nos aparecem no dia-a-dia e dos quais damos conta apenas por sermos profissionais comprometidos com a educação de nossas crianças e adolescentes!Essa transferência da responsabilidade da educação familiar para a escola e professores, porém, acarreta, muitas vezes, prejuízos para a Educação escolar, ou seja, a educação em outra esfera, que é a da transmissão do conhecimento, do saber crítico!

Conscientes da atual realidade social e de nossa responsabilidade sobre ela, nós, educadores, nos consumimos para que ambas, a familiar e a escolar, se dêem satisfatoriamente.Para tanto, senhor presidente, são incontáveis as vezes em que interrompemos uma aula, uma explicação, uma leitura, para chamar a atenção de alunos - não poucos - que vêm à escola para desestabilizar o que deveria ser um local de respeito e organização.

Nem sempre contamos com o apoio de diretores, que se baseiam no Estatuto da Criança e do Adolescente e os mandam de volta à sala de aula para que continuem, mais fortalecidos, a prejudicar as aulas e os colegas que querem aprender! Isso desgasta, senhor presidente, tanto física, psicológica quanto emocionalmente! E como seres apenas humanos, suscetíveis às contrariedades e manifestações negativas do meio, esse desgaste acaba, evidentemente, interferindo no desempenho profissional e na saúde. Até porque, trabalhamos em média 8 horas por dia, em pé, diante de classes superlotadas, calorentas, sem recursos de áudio que não seja nossa voz!Tudo isso, entretanto, não reflete ainda a verdadeira situação do professor da rede pública de SP.

Os agravos que nossa classe vem sofrendo, desde os salários congelados diante da alta sistemática de bens de consumo, tarifas de prestadoras e de transportes, até as agressões verbais - quando não físicas -chegam a afrontar a dignidade de profissionais responsáveis que somos!Se é característico de um governo neoliberal desmerecer o funcionalismo público - e isso começou logo no primeiro mandato de Fernando Henrique, em nível federal - como pretexto para inúmeras privatizações, a atual administração do Estado tem extrapolado, esbarrando no limite da verdade e da decência! Os professores estão servindo de bodes-expiatórios e a mídia, conivente, abrindo mão da imparcialidade imprescindível de um jornalismo sério, acata e divulga todas as inverdades proferidas pelo governador e sua secretária da Educação!

Gostaria de saber por que o jornal não combateu vigorosamente a afirmação de José Serra quando da entrevista em que ele afirmou que o estado de Alagoas tem mais recursos para pagar aos seus professores 40% mais de que nosso estado! E a APEOESP?

Omissão é conivência, também, primeiro como jornal, depois com o governo!Como um jornal não questionou, com o óbvio, quando a secretária da Educação afirmou que o salário não interfere na qualidade de ensino? Será que o jornalista não sabia que há milhares de professores que lecionam em três ou quatro escolas em três períodos para complementar a jornada? E que para isso chegam em casa por voltada meia-noite e às 5h. já estão de pé novamente? Que tempo lhes resta para estudos, pesquisas, preparo de aulas? O salário não interfere???
Diante dessa afirmação cínica, o que fez a APEOESP?

Quando a "Folha de São Paulo" afirmou, em editorial, que mais de 30.000 professores faltam por dia em SP e que licenças médicas e atestados não acarretam descontos nos vencimentos, qual foi a atitude da APEOESP em nossa defesa?Pronunciamentos vagos de sua parte, senhor presidente, com todo respeito, não são nem de longe, suficientes! Afirmar simplesmente que ignora as estatísticas do governo ou que não são verdadeiras, só reforçam a impressão de que são.

É impreterível provar que se professores faltam ou tiram licença-saúde é porque estão doentes, sim! E que os descontos existem, sim!!!
Perdemos muitas gratificações - jamais incorporadas ao salário - cada vez que somos forçados a nos afastar para cuidar de nossa saúde, principalmente quando já começamos a somatizar as doenças mentais-emocionais,como stress, depressão, síndrome do pânico e outras fobias que adquirimos no exercício da profissão!São essas verdades que precisam ser mostradas à opinião pública, à sociedade, aos pais de alunos!Não aceitamos que o atual governo e mídia comprada achincalhem nossa imagem!

Não somos nós os irresponsáveis que estão querendo mostrar!O sindicato tem obrigação de mostrar quem é irresponsável! Irresponsáveis são as sucessivas administrações ‘psdebistas’, que implantaram políticas educacionais que qualquer leigo perceberia que não dariam certo!

Agora, que uma ou mais gerações estão definitivamente prejudicadas em termos de conhecimento, semi-alfabetizadas e praticamente excluídas do mercado de trabalho, e isso não pode mais ser ocultado, é evidente que teriam de colocar a responsabilidade em alguém! E já que é o mesmo partido que vêm se sucedendo na administração do estado mais rico da federação, eles não têm como colocar a culpa no governo anterior!

Mas não somos nós os culpados desse "apartheid social" tão próprio do neoliberalismo que vem assolando a sociedade em benefício de sua hegemonia!Como se vê senhor presidente, a hora já é passada! Chega de boletins informativos que "informam" o que já sabemos, chega de politicagem dentro da APEOESP, chega de filiações a partidos políticos e de filiação à CUT - isso cheira a manobras eleitoreiras!

Somos professores, educadores, profissionais da Educação, o produto de nosso trabalho não é mensurável a curto prazo! Não temos nada em comum com metalúrgicos ou operários de bens de consumo, que com dois ou três dias de greve, acarretam enormes prejuízos aos patrões e, conseqüentemente são prontamente atendidos em suas reivindicações!E acima de tudo, chega de ouvirmos a cúpula do sindicato acusar nossa não aderência às greves - que nada conseguiram em mais de 13 anos - pela desunião da classe!

Não fazemos mais greves porque não acreditamos mais nelas!!! É hora de nos apresentarem outras estratégias de reivindicações e se forem eficientes, aderimos, sim!É hora de atitude e atitude vigorosa, que resgate nosso salário, nosso respeito e principalmente nossa imagem! Que se gastem os muitos "dinheiros" arrecadados de cada filiado numa campanha esclarecedora de nossa realidade! Só assim teremos a opinião pública a nosso favor, e a partir disso, talvez, possamos sonhar com dias melhores tanto para a Educação quanto para seus profissionais!Espero que este meu registro seja divulgado pelo sindicato, porque da minha parte será - pelo menos em todos os órgãos em que -ainda - vigore a liberdade de expressão.

Respeitosamente,
Suzana Helena

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