Ivan Valente*
O Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) existe desde 1996. Em março, foram divulgados os resultados das provas de Língua Portuguesa e Matemática do exame aplicado no ano passado. Alguns resultados que o Saresp 2007 mostrou:
- na 1ª série do ensino fundamental, 48,8% dos alunos não escrevem com ortografia regular. Redigem com correspondência sonora alfabética;
- na 3ª série do ensino médio, cerca de 80% estão abaixo do nível considerado adequado pela Secretaria Estadual de Educação. Na 8ª série do ensino fundamental, 70% estão abaixo do adequado;
- nas 4ª e 8ª séries do ensino fundamental, o percentual dos alunos com desempenho em matemática “abaixo do básico” é de cerca de 45% e 50%, respectivamente. No ensino médio, este percentual é de 71%;
- na média geral, mais de 80% dos alunos não atingiram os conhecimentos matemáticos esperados pela própria Secretaria da Educação.
Portanto, ao contrário do que propagandeia o governo estadual, algo está muito errado na Educação que temos dado às crianças do nosso estado. A gestão Serra afirma ter encontrado a “salvação da lavoura” para os problemas do ensino em São Paulo. Em diversas declarações à imprensa, a secretária Maria Helena Castro exaltou a política baseada na concorrência entre escolas e entre professores, com a realização de avaliações sucessivas e superpostas – provas, provinhas e provões – e o posterior oferecimento de bolsas, bolsinhas e bônus de baixo valor, concedidos de acordo com o resultado dos exames. Para ela, a premiação do mérito, aliada à análise de indicadores de gestão, de taxas de repetência e evasão e de ausência de servidores, trará as respostas para a qualidade do ensino em nosso estado.
A secretária escanteia, desta forma, elementos fundamentais no debate sobre os rumos da Educação. Para ela, por exemplo, é irrelevante se uma sala de aula do ensino fundamental ou médio tem 25 ou 60 alunos. Maria Helena considera esta questão um mito da Educação a ser eliminado, ignorando o recomendado por instituições nacionais e internacionais, como a UNESCO, que estabelecem em 35 o número máximo de alunos por sala de aula.
Da mesma forma, nossas escolas públicas não precisariam de mais recursos, nem o professorado, de melhorias salariais. Nada disso levaria a um aumento no aprendizado. Tudo não passaria de uma “ladainha repetitiva”, “sindicalista, ultrapassada e corporativa”. Afinal, nossos educadores ganham bem e os recursos são suficientes.
Ou seja: ao afirmar que é irrelevante o número de alunos por sala de aula e que melhores salários e condições de trabalho não são determinantes nas boas condições de aprendizagem, achou-se o culpado para a nossa péssima qualidade de ensino: o professorado. A solução apontada, então, é premiar os servidores mais “talentosos” e “esforçados” e as escolas mais “promissoras”, medidas pelos sucessivos exames aos quais as instituições são submetidas.
Países como Chile e Estados Unidos já revelaram os efeitos maléficos deste tipo de política. Um deles é o afastamento dos melhores professores das escolas que atendem a alunos mais carentes, que apresentam piores desempenhos neste tipo de avaliação. Da mesma forma, a busca por escolas com melhores resultados – que nem sempre significam melhor qualidade no ensino – tende a isolar os estudantes com mais dificuldades em escolas que já sofrem um conjunto de deficiências.
O resultado é o aumento permanente na distância entre os desempenhos obtidos por alunos de uma mesma rede de ensino. Falhas na gestão e professores que não agem de acordo com sua função de servidor público devem ser combatidos. Mas em absoluto constituem o cerne do nosso problema educacional.
A ilusão de que a comparação e seleção levarão à produção de qualidade é um equívoco pedagógico que pode colocar nossas instituições no perigoso caminho da geração e aumento da exclusão.
Os tucanos estiveram oito anos no governo central e governam São Paulo há 13. FHC vetou o dispositivo do Plano Nacional de Educação que elevava o gasto público com educação de 3,7% para 7% do PIB. Criaram um pseudo-sistema nacional de avaliação para esconder a política de corte dos recursos. Seu objetivo sempre foi diminuir o papel do Estado e atribuir-lhe papel apenas regulatório.
As políticas de fundos para a educação de FHC e de Lula não passam de socialização da miséria. Alguém acredita que o suplemento da União a Estados e Municípios, de apenas R$ 1 bilhão ao ano de recursos novos nos próximos quatro anos, para um universo de 50 milhões de estudantes da educação básica, resultará em algum impacto real na qualidade de ensino? Podemos nos fiar que a instituição de um piso salarial para o magistério brasileiro de pouco mais de R$ 450 por 20 horas semanais estimule a carreira? Enquanto isso, o país desembolsa R$ 160 bilhões por ano em juros da dívida pública.
Somente o investimento pesado na formação e remuneração dos docentes e na infra-estrutura das escolas resultará na melhora qualitativa na educação. É esta a política que precisa ser promovida com urgência em São Paulo, sob o risco de comprometermos em definitivo o futuro de uma parcela significativa de nossa população.
*Ivan Valente é deputado federal pelo PSOL/SP, professor e membro da Comissão Permanente de Educação da Câmara dos Deputados.
Publicado na revista Época
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