Pelo menos 690 mil alunos do infantil e fundamental de 300 cidades no País usam material de grupos privados
Por Renata Cafardo e Simone Iwasso
Pelo menos 150 municípios de São Paulo contratam sistemas apostilados privados para as escolas públicas de suas redes, o que representa 23% das 645 cidades paulistas. Há ainda outros 150 municípios no País com esse tipo de contrato, totalizando 300.
O levantamento foi feito pelo Estado com informações fornecidas por sete das maiores empresas que atuam na área, entre elas Objetivo, COC e Positivo. No Brasil, são 690 mil alunos da educação infantil e fundamental de escolas públicas usando materiais de grupos particulares.
A entrada dos chamados sistemas de ensino no setor público é recente. Eles têm crescido nos últimos anos, chegando a triplicar o total de cidades atendidas.
Fica claro o predomínio da modalidade em São Paulo, apesar de nem todos os grupos serem do Estado. As cidades gastam juntas, no mínimo, R$ 100 milhões por ano para receberem material didático e uma assessoria, que inclui capacitação de professores, portais interativos, avaliações e ajuda na gestão escolar.
Esse pacote - que vai além da apostila dividida por bimestres e atividades programadas - é o diferencial apontado por quem defende os sistemas de ensino. Ele se contrapõe ao livro didático, muitas vezes considerado abrangente demais e complexo.
A opção das prefeituras é polêmica. As mesmo tempo em que recebem questionamentos de educadores por adotar um sistema que levaria à padronização do ensino, as redes públicas apostiladas têm obtido resultados positivos em avaliações do Ministério da Educação (MEC).
Das dez cidades de São Paulo com o melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), sete usam materiais apostilados.
O Ideb é hoje o indicador oficial mais importante da educação brasileira e leva em conta rendimento dos alunos em exames nacionais, taxa de repetência e evasão escolar.
Das dez piores no ranking do Estado, nenhuma tem contrato com sistemas de ensino privados. “Temos renovado os contratos porque os professores pedem. Eles acham que melhorou o trabalho em sala de aula e não querem mais usar o livro didático”, diz o prefeito de Dois Córregos, na região de Bauru, Luiz Antonio Nais. A cidade é a quarta colocada no ranking paulista das melhores redes.
O Estado consultou ainda o Ideb de 46 redes municipais atendidas por sistemas de ensino - os grupos não informam os nomes das 300 cidades. Todas elas têm índice superior à média nacional, de 3,6 pontos.
Também usam sistemas apostilados as três representantes paulistas que aparecem em um relatório recente do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do MEC sobre os 37 municípios com os melhores exemplos de escolas públicas.
Atualmente, há pelo menos 13 grandes grupos que atuam no mercado de sistemas de ensino: Objetivo, COC, Positivo, Expoente, Anglo, Pueri Domus, Uno, Ser, Ético, Etapa, Poliedro, Pitágoras e FTD. Os seis últimos ainda não atuam em escolas públicas, mas todos informaram à reportagem que têm planos de ingressar nesse mercado em breve.
Para a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda, os sistemas de ensino não são responsáveis sozinhos pelo bom rendimento dos alunos em exames nacionais. “Vários fatores influenciam, como número de alunos em sala de aula, participação da comunidade, avaliações”, diz. Segundo ela, os grupos privados ganham espaço nos municípios em que a formação do professor é precária. “O professor inseguro precisa de receitas. É como cozinhar. Quando a pessoa é iniciante, não larga a receita. Depois, vai ganhando autonomia, sabedoria e nem olha mais a receita.”
O MEC não tem um estudo sobre quais prefeituras usam apostilas. Por isso, seu Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) continua comprando exemplares e enviando gratuitamente aos municípios. Foram R$ 661 milhões gastos no último ano com livros didáticos.
Enquanto isso, as prefeituras usam o dinheiro do Fundeb - fundo que reúne e redistribui para Estados e municípios a verba da educação, segundo um valor por aluno/ano - para contratar os sistemas privados.
Isso é feito quase sempre por meio de licitação. O preço cobrado vai de R$ 150 a R$ 250, por aluno ao ano. Em São Paulo, é o equivalente a 10% do valor por aluno repassado pelo Fundeb. “É um gasto duplicado”, diz Pilar.
As cidades que optaram por contratar sistemas privados são quase sempre de médio ou pequeno porte e não chegam a 500 mil habitantes. Em São Paulo, estão em todas as regiões: de São Sebastião, no litoral, a Dolcinópolis, no extremo-oeste; de Santana do Parnaíba, a 58 km da capital, a Descalvado, no norte do Estado.
Os sistemas chegaram também a escolas municipais de Goiás, Paraná, Maranhão. “O conhecimento precisa ser construído a partir da realidade do aluno. Mas a apostila é sempre igual, não importa que as redes sejam diferentes”, diz a educadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ângela Soligo.
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