segunda-feira, 7 de abril de 2008

Campeã do Enem impõe rigor a docente

Melhor colégio estadual da capital paulista no exame a estudantes já mandou para psiquiatra professores que faltaram muito

Diretora do Rui Bloem afirma que faltam recursos para a unidade; apesar de liderar entre estaduais, foi a 335ª na lista geral da cidade

FÁBIO TAKAHASHI

DA REPORTAGEM LOCAL

"Os nossos alunos mais rebeldes nos chamam de nazistas", conta a diretora da escola Rui Bloem, Maria Cleuza de Oliveira Martins, 64. A unidade obteve a melhor nota no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2007 entre os colégios estaduais da capital paulista. A reclamação dos estudantes, diz a diretora, decorre do sistema que a escola adota: disciplina para alunos e professores.

Segundo a diretora, isso contribui para que a escola, em Mirandópolis (zona sul), seja organizada e tenha um bom ambiente de trabalho. Ambiente esse complementado pelo aspecto da unidade, com paredes impecavelmente pintadas e jardins bem aparados.

A conservação, porém, vem em grande parte dos recursos dos próprios pais, diz a diretora. Do governo, chegam cerca de R$ 30 mil para manutenção ao ano. Só em festas, a APM (associação de pais e mestres) arrecada cerca de R$ 40 mil. Para a diretora, a falta de investimentos é o pior problema da escola -mesmo sendo a melhor estadual da capital, no ranking geral da cidade (incluindo particulares e técnicas) a Rui Bloem ficou em 335º lugar.

A secretaria da Educação da gestão José Serra (PSDB-SP) afirma que aumentou em 80% a verba de manutenção das escolas entre 2007 e 2008 e que a Rui Bloem receberá um investimento de R$ 200 mil. Leia abaixo trechos da entrevista com Maria Cleuza.

FOLHA - O que explica a 1ª colocação da escola entre as estaduais?
MARIA CLEUZA DE OLIVEIRA MARTINS
- Temos uma escola limpa, organizada, com ajuda dos recursos da APM. Outro ponto importante é o compromisso. Tenho professores que são efetivos há muito tempo. Também tenho pais que cobram muito dos estudantes e da escola.
O que ajuda muito aqui é a disciplina. Tem horário para entrar. O aluno deve trazer o material certo para cada aula.
Se não o faz, a gente chama o pai imediatamente. É um trato "tête-à-tête". Os estudantes têm "provões" todo semestre.
Tem aluno que vem de escola particular e fala: "Pô, escola do Estado desse jeito? Só tirei nota vermelha". Aqui, são de 42 a 45 alunos por sala. Não dá tempo para brincadeira. Os nossos alunos mais rebeldes chamam a gente de nazista. Mas o que queremos é disciplina.

FOLHA - Como a escola mantém professores efetivos, já que os salários são iguais em toda a rede?
MARIA CLEUZA
- Acho que o professor sabe que pode contar com a direção e também há um ambiente agradável de trabalho. Já o aluno reflete o seu comportamento, pois sabe que a equipe gestora é extremamente exigente, vai chamar o pai se aprontar alguma coisa.
E se a família não cooperar, encaminhamos para o conselho tutelar. Da mesma maneira que encaminho professor para psiquiatria. Hoje existe a falta médica [sem desconto do salário], desde que seja em dias alternados. Assim, o professor pode trabalhar terça e quinta.
Segunda, quarta e sexta ele pode arrumar um atestado, às vezes até compra, e tem o dia abonado. Aqui, se começar com atestado, eu dou uma guia e peço uma avaliação médica. Já fiz isso com quatro professores.

FOLHA - Os salários são baixos?
MARIA CLEUZA
- Ganho cerca de R$ 1.200 como diretora. Como professora aposentada, mais R$ 1.000. É pouco.

FOLHA - Quais são as grandes dificuldades da escola?
MARIA CLEUZA
- Financeira. Com uma escola deste tamanho, só agora ganhamos um datashow. Um para três mil alunos. Segunda-feira [amanhã] começa o curso técnico de administração de empresas [novo projeto do governo, oferecido a parte dos alunos do ensino médio], e não estamos preparados. O que foi dito é que esse curso seria 50% online e 50% presencial. O curso começa com giz, apagador e saliva.

FOLHA - E sala de informática?
MARIA CLEUZA
- Os computadores são muito ultrapassados. Quando o governador veio aqui [em fevereiro, Serra foi à escola lançar um programa de transferência de verbas às escolas], foi feita a parte elétrica. Ficaram de mandar computadores condizentes. Dez computadores para 40 alunos não dá. E nossos computadores são "tartaruga futebol clube", de 95, 98.

FOLHA - O governo anunciou diversas medidas para 2008, como implementação de um currículo, recuperação para todos os alunos nos primeiros 40 dias entre outras. As escolas conseguem absorver tudo isso?
MARIA CLEUZA
- Acho que não. Deveria consultar as bases antes de implementar. Senão dá impressão de imposição e, assim, não há garantia que o professor vá implementar o projeto na sala de aula.
Nada deveria ser imposto e ainda mais com pouco tempo de preparação. O jornal, por exemplo [refere-se à recuperação inédita implementada pelo governo, cujos conteúdos foram apresentados por meio de jornais], chegou na véspera do planejamento [pedagógico].
Esse material trouxe algumas reclamações. Professores entenderam como engessamento dos seus trabalhos. Discordo. O que acabou foi a soberania. O professor usa sua didática, mas ele trabalha num sistema, com regras que precisam ser seguidas. A rede estadual é muito grande e precisa de parâmetros. Cada um fazia o que queria, planejava o que queria.
Para a gente não trouxe muita novidade, porque já trabalhávamos com um currículo, que se assemelha em muito ao que a secretaria estabeleceu.

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